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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Artigo: a queda de um mito no Strikeforce


Por Nico Anfarri*

Foto Esther Lin

Num violento e comovente evento, Strikeforce funde esporte e emoção genuína num bom card que se desdobrou em ótimas lutas. O renascimento do Grand Prix, a queda mais funda do maior dos mitos e os primeiros passos de um grande lutador. Esse evento foi tudo o que o UFC sempre tenta ser, e na maioria das vezes não consegue.

Fedor Emelianenko x Antonio Silva “Pezão”

Pezão é um dos melhores pesados do mundo faz tempo, mas um caso mal resolvido de antidoping e a indiferença do UFC o vinham mantendo a margem do topo da mídia e conhecimento da maioria dos fãs. Enorme, pesadíssimo, bom Jiu-Jitsu, e com a caixa craniana e mãos recheadas de chumbo, é um dos lutadores mais complicados de se enfrentar no planeta. Difícil de derrubar, seja na mão, seja em quedas, assustador de se encarar numa troca franca de golpes e complicado de controlar no chão. Pezão é quase um animal, e teve sua noite de gala nesse Strikeforce, brutalizando, sem respeito ou receio, o maior dos lutadores de MMA.

Tirando a realidade prática do caminho, uma questão ainda fica no ar. Teria Pezão conseguido suplantar Fedor se esse ainda estivesse no auge da carreira? Ou será que Fedor ainda está no auge e perdeu para um atleta mais completo? São essas questões que colocam em xeque sua qualidade que me fazem achar que ele deveria parar de lutar. Quando os fãs começam a achar que uma lenda talvez não tenha sido tão boa assim, é hora de abandonar o esporte. O agora é a cabeça do cometa, é o mais visível. É preciso o meteoro se dissipar, cessar o movimento, para podermos voltar a perceber o rastro.

Fedor já está em declínio faz anos, mas mesmo assim venceu lutadores Top 10 na época como Arlovski, Sylvia e Brett Rogers. Mas luta a luta ele vem aparentemente perdendo a vontade de estar ali. Quando perguntando, anos atrás, porque estava invicto, Fedor respondeu que talvez quisesse mais vencer do que seus adversários. Talvez seja isso. Wedum e Pezão pareciam querer muito mais derrotá-lo do que o oposto. O olhar de Pezão era uma mistura de fome, agonia, êxtase, ferocidade. Esse olhar que diz muito mais do que a pupila mostra, é o olhar que Fedor tinha. Mesmo calmo, mesmo frio, mesmo fundo, seu olhar escondia milhões de anseios e desejos e força e poder. Nesse Strikeforce, não vi isso. Vi o maior de todos os tempos cumprindo um contrato, lutando apenas pelo esporte e não pela glória.

Fedor começou agressivo e se lançou a estourar as mãos contra a estátua da Ilha de Páscoa que Pezão tem no lugar da cabeça. Um primeiro round intenso, violento, mas que vazou o tanque de gasolina dos dois, que entraram sem gás no segundo. E cansados, o mais pesado e mais faminto se superou e superou o adversário. Fedor apanhou muito e aguentou. Por nós, pela sua religião, pela M-1, pela família, pela Rússia. Sabe-se se lá. O que está em vídeo é que ele aguentou quase 5 minutos e mais de 160 golpes diretos na cara de um lutador quase 30 quilos a mais. Só ele para passar por isso acordado.

Seu espírito aguentou, mas seu corpo não aguenta mais. O Capitão que afunda com o navio ainda está vivo quando sua embarcação, aparentemente tão mais forte, já foi destroçada.

Fedor perdeu aquela que deve ser sua última luta. E mesmo nesse que talvez tenha sido seu último round tivemos brandos lampejos de grandeza. Qual lutador conseguiria sair de um katagatame justo, encaixado e soldado, de Pezão depois de apanhar tanto tempo e possivelmente com os ossos do rosto estilhaçados? Só Fedor. E Pezão não desistiu da chave, Fedor saiu. Mais uma vez, só Fedor. E quantas vezes já não dissemos isso para nossos amigos, namoradas ou para nós mesmos? Fedor foi maior do que o esporte, foi mais alto que os muros nacionais, em sua bandeira russa tantos de nós viam a nossa própria, foi o incrível, o impossível, foi o “puta merda” que os narradores seguravam para não dizer ao vivo, foi o primeiro vídeo de MMA que mostrei para minha família, foi quem me fez deixar de apenas admirar esse esporte para amar. Para sempre será o maior porque ele transcende o momento e o espaço que respira, nos inspira, nos une, nos faz bem. Fedor é o maior lutador que o MMA já teve, mas hoje em dia já não é mais o melhor. Hoje, Pezão é melhor que Fedor Emelianenko.

As trombetas soaram anunciando o fim de sua carreira. Tomara que ele as ouça tão claramente quanto eu ouvi.

Sergei Kharitonov x Andrei Arlovski

Arlovski começou a se confundir na carreira quando estreou seu protetor bucal em forma de dentes, que para ele são de pitbull, mas para quem conhece a raça, parecem mais de vampiro. A fama alcançada com o cinturão do pesado no UFC subiu a cabeça do nativo da Bielorússia. Afeito a noitadas, trabalhos como modelo, sonecas até tarde, Andrei não conseguiu fugir dos socos invisíveis que a mídia e o sucesso sempre soltam na linha de cintura das estrelas. Arlovski foi um grande lutador, mas muito menor do que poderia ter sido. Vindo de 6 vitórias até perder duas vezes seguidas para Tim Sylvia e entrar em conflito com Dana White sobre os valores de sua renovação de contrato, que acabou com seu corte da empresa, enfileirou mais 5 vitórias até encarar Fedor no Affliction.

Arlovski poderia ter sido mais do que um grande lutador, é verdade, mas aquele nocaute para Fedor sugou sua alma e a aprisionou em algum lugar remoto e desconhecido até para ele próprio, que hoje em dia entra para lutar vazio. Uma casca sem gema.

Kharitonov, que não está nem aí para essas histórias do ocidente, rachou Arlovski ao meio. Verdade que Andrei estava melhor na movimentação, acertando mais golpes, mas um ovo nunca vai quebrar um pedregulho.

Dos grandes lutadores da era do Pride, nenhum tem a carreira tão irregular quanto Sergei, que parece ter renascido nesse torneio. Feroz, blindado e recheado de má intenção. Kharitonov não diz, mas veio para esse GP com o nervo pinçado pela vingança de ter sido esquecido de todos, isolado lá naquela terra do oriente chamada Japão, fazendo luta contra atletas de baixo nível, como se fosse um lutador qualquer. Alguém vai pagar por isso e ele já fez a primeira vítima.

Shane del Rosario x Lavar Johnson

Grandes lutadores constroem seu legado vencendo outros grandes ou massacrando os menos qualificados para virar highlight no YouTube. Shane está invicto em 11 lutas, apenas um adversário resistiu até o segundo round, e o potente Lavar não conseguiu ser exceção.

Um lutador veloz, explosivo, moderno e que vai ser bem conhecido em 1 ou 2 anos. Não troca de modo cadenciado, parte pra briga de braço mesmo, não tem medo de ser atingido nem de cair por baixo. Pensa rápido, tem um bom repertório de finalizações, carisma e nome de campeão. Cain Velasquez começou a carreira assim, espancando desconhecidos de modo empolgante.

Gostaria de ver Rosario contra Struve, Schaub, Cro Cop, Pat Barry ou Nelson no UFC. Seria uma aula para os mais jovens que pensam só haver grandes lutadores na empresa de Dana White e que o resto é segundo nível, ver um desses Top 10 da organização ser facilmente desmantelado. Shane del Rosário é um grande lutador, mas a maioria dos fãs ainda não sabe disso.

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